15.2.12

seu Franscisco


oi vô,
andei sentindo saudade do senhor, daí aproveitei pra escrever essa carta. Sei que nunca fomos muito próximos, assim, carne e unha, mas com tempo que estive perto do senhor aprendi um montão de coisa. E não falo desses ultimos tempos não. To falando de antes. Da época que esperava o senhor chegar de suas viagens, ficava ali com a minha cabeça de criança sem saber ao certo o dia a hora ou o momento que era, mas eu o esperava. O motivo eram os presentes que o trazia e pra ver a cara que o senhor chegava, pra saber se tinha mudado muito, pois ás vezes me esquecia de como era seu rosto. Bom, eu ficava toda feliz pois sabia que esses presentes eram únicos, e vinham do Rio de Janeiro, que pra mim, na época era quase uma outra galáxia. Engraçado reelembrar essa sensação. Pois minha curiosidade virava admiração, achava o máximo, assim escondido né, porque minha avó não podia saber. Achava o máximo o fato de ter um avô que viajava o Brasil todo, e voltava a hora que achava que devia. Uma vez vô, lembro, que minha professora me contou o que era um nômade, achei a definição muito parecida com a percepção que tinha da sua história, e espalhei pros meus amigos que o senhor era um nômade, foi muito divertido, fiquei me sentindo a tal. Hoje sei que meu lado aventureiro veio do senhor, e tenho um puta orgulho disso. Sabe, não sou mais criança, mas lembrar do senhor me faz rejuvenescer, não só pelo fato de ter quase 70 anos a menos, mas também pela sensação de liberdade que sentia estando a seu lado. Queria ter te falado sobre isso, queria conhecer outra pessoa que me fizesse sentir essa sensação de novo. Até mesmo nos ultimos dias, pude sentir sua vontade de voar. Aquilo de te ver deitado numa cama não combinava. Ai vô, o fato do senhor ter perdido a memória me entristeceu sabe, mas hoje, tipo esse texto, sei que algumas das suas histórias vou poder espalhar por ai, e prometo que farei ao máximo que puder. Queria ter sido mais próxima do senhor, justamente pra isso, para ter descoberto mais sobre seu universo, que é tão único, tão cheio de detalhes. Ainda bem que deixou pedaços de histórias suas antes de partir, assim, sua memória nunca será apagada, pois é isso que somos, memórias, baús lotados de nós e dos outros. Sou do tipo de pessoa que adora entrar na vida das pessoas, minha arte é essa, conhecer as histórias e traduzi-las em fotografias. Lembra que te falei que fotograva? Não sei se vai lembrar, já estava doentinho. Pois bem, fotografo pra deixar as coisas nítidas, pra memória reviver os detalhes. É por isso que me emociono tanto quando lembro da sua vida. Pela doença sim, mas também por ter te fotografado em um de seus momentos mais frágeis. Gosto do apego que sinto com suas fotos. Vô, fico aqui imaginando que quando chegou no céu encontrou uma maleta, com todas suas histórias e lembrou de todos nós. Minha mãe que te ama tanto e fez de tudo pra te ver menos dolorido, minha avó que te deu colo. Essas mulheres são tão guerreiras não? Sei que quando estamos achando que permancemos sozinhos, elas aparecem e nos fazem sorrir de novo, nosso caminho fica mais bonito, mais perfumado. Por mim vô, passaria o resto da vida fotografando elas, a vovó pra relembrar sempre do senhor, e do quanto a achou bonita quando a viu pela primeira vez. Eu agradeço essa escolha, pode ser que nossa familia não tivesse ficado tão bela. Obrigada por ela. Por me dar forças também, obrigada. Por ter me ensinado a viver de novo, e de novo. Por me ter feito perceber que devo sim me aprofundar na vida dos meus fotografados, me ter feito conhecer uma vida sem memórias, me fazer tomar decisões maduras, e me fazer amar cada vez mais o que escrevo em minha vida. Vô Luca, obrigada por ter um codinome.

Um comentário:

liz disse...

Me emocionei muito com isso. Parabéns.

Arquivo do blog