Vejo a sala, o amarelo da parede não me incomoda mais. De repente chega até meu nariz o cheiro que tanto angustia lembrar, sinto o cheiro da gente, esse que construimos. É impressionante como ainda estou aqui. Quando cheguei quis entrar em silêncio, foi uma opção. Caminho alguns passos observando a decoração que sempre quis ter. Penso em quanto esse sonho também é meu.
Chego na cozinha já com os olhos aguados, suas prateleiras novas, a fruteira, é como se todas as coisas antes destas fossem eu, vejo o fim bem aqui na minha frente, enxergo a imensidão de nãos e de possibilidades. As panelas pesadas que eu trouxe. Abro a geladeira quase que instintivamente, buscando os velhos hábitos seus. Tudo parece nesse momento como sempre foi, meus filmes vencidos estão ali, ocupando o mesmo espaço, isso tem que sair e ir embora comigo. Vou até a lavanderia, acima, no varal é onde suas roupas encostam nas minhas, sinto outro cheiro que tenho medo, o cheiro comum dos produtos que escolhemos, as roupas que visto já possuem um novo cheiro. Em um impulso genuíno cheiro suas roupas e choro, hoje choro como no dia que você me disse não, aqui, nessa mesma lavanderia eu procurava um sinal das ruas, do céu, dos vizinhos, do guarda da rua, para que me fizessem acreditar em nosso fim.
Sigo pelo corredor vazio, lembro de quando abarrotamos esse lugar de caixas de mudança, mudar, estamos mudando de novo.
Meu coração doeu quando vi o escuro que cobria nossa cama, doeu mais pois não consegui acender as luzas e entrei no quarto naquela penumbra bonita, que me faz sentir tão confortável, eu gosto da pouca luz e da umidade dessa casa. Você mexeu na posição da cama, volto e acendo as luzes, minha presença está em tudo. Sento no chão para tentar ver em outra perspectiva o que estamos deixando para trás, meu corpo já não pode mais contar as lágrimas, me transformo em uma poça.
Não vou negar que abri todas as portas do armário, que não cheirei suas roupas, não vou negar que queria ficar sentada em formato de poça até você chegar mal humorada do trabalho e me ver ali, encharcada, me fazer carinho e dizer que a dor vai passar. Não vou negar que senti saudade de tudo que é bom. Me pergunto se outro alguém já esteve aqui vivendo essa vida que é minha. Morro de medo do futuro, tento não pensar e deito na cama, olho para o alto, bem alto, para o branco do teto e lembro de novo do fim e dos acordos do fim, e das possibilidades dos sins, esse é um segundo estranho. Vou juntando tudo, é o que me faz criar força, começo pelo resto da minha roupa, depois meus livros, respiro fundo por conseguir sair daquele quarto.
As caixas que estão na sala agora são caixas minhas, você separou a mudança e eu me perco em mim nesse amontoado de coisas, é tanta tralha para mudar de lugar, é tanta história para contar, são tantas possibilidades, meu amor. E aqui dentro desse monóculo aparece aquele mundo antigo onde a gente era feliz, onde estamos paralisamos em um sorriso tão sincero.
Mas sim, estou em prantos, é como em uma cena de filme onde a mocinha começa a comer um pote de sorvete. É tanta coisa para guardar em um novo lugar. Tanta vida acontecendo. Sou muito desajeitada com caixas. Olho cada uma dessas poucas coisas intactas, eu não estou como elas, eu sou mais parecida com esse passado, com a cor da pele da parede, com o quadro jogado de lado, com a penumbra.
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