24.5.16
A porta do quarto se fechou, deixando Farida só. No pente de metal,
em cima da mesinha, havia ainda cabelos seus, caracoladinhos como
crianças no ventre materno. Tardou em cada objecto, parecendo que as
coisas que em tempos tocara, saudosas, lhe reconheciam agora. Na parede
húmida estava ainda uma fotografia sua, em moldura de madeira. Aquela
era sua única imagem. Por isso, lhe ocorreu levar a foto consigo. Quando
a retirava viu que, no papel amarelecido, ela já não estava sozinha. Em
redor do rosto dela estavam desenhadas figurinhas várias, tantas que
pareciam mover-se e trocarem de posição. Sorriu, decidida a devolver a
moldura à parede. Aquela era obra de Virginha, pondo vida em seu
retrato. Quantas vezes não o teria ela pousado sobre o leito,
discorrendo mentiras sobre a permanência da adoptiva na velha casa?” Mia Couto em Terra Sonâmbula [São Paulo: Companhia das Letras, 2007].
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